sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

"Le déserteur" : um poema pacifista de Boris Vian



Boris Vian ( 1920-1959), além de escritor foi músico notável. Tocava sobretudo  jazz, dedicando inúmeros escritos ao tema. Em 1946, publicou o romance J´irai cracher sur vos tombes 
(Cuspirei sobre seus túmulos), que trata da violência e do racismo, provocando enorme escândalo.  L´écume des jours (1947) tornou-se uma de suas obras mais conhecidas e teve boa acolhida de Raymond Queneau e de Jean-Paul Sartre. Queneau afirmou tratar-se da história  de amor mais pungente do tempo. O sucesso de público, porém, veio apenas no final dos anos 1960.
Outro texto célebre é o poema "Le déserteur" no qual o autor  revela sua aversão pela guerra. O caráter anti-militarista dos versos  provocou sua proibição durante vários anos. Durante a guerra do Vietinã, "Le déserteur" tornou-se hino pacifista.
Muito provavelmente Boris Vian redigiu o texto em vinte e quatro horas. O músico e poeta compõe também a melodia, ao contrário da maior parte de suas composições nas quais ele assina apenas a letra. Fruto de uma época ainda fortemente marcada pela repercussão da Segunda guerra,  o poema traz à tona a posição do autor de forma clara. Trata-se de jovem que ao receber sua convocação para a guerra, escreve ao presidente  da República. O início do poema é conhecidíssimo: "Senhor presidente, escrevo-lhe uma carta que o senhor talvez lerá se tiver tempo". Na sequência, o eu lírico afirma que se recusa a aceitar  sua convocação porque não veio ao mundo para  matar pessoas. Além disso, já vira seus irmãos partirem e seu pai morrer. Em passagem ousada do poema, o eu lírico sugere ao presidente  que vá ele próprio oferecer seu sangue pela pátria,  que este seria "bom apóstolo". Mouloudji  (1922-1994) gravará  "Le déserteur", mas  solicita modificações. Uma delas  diz respeito à apóstrofe do início  que passa a ser  "Messieurs qu´on nomme grands....", em português ficaria algo como  "Senhores que chamamos grandes..." ( infelizmente essa tradução não resgata bem o sentido, nem o ritmo do verso). Outra alteração incide sobre os últimos versos. No poema original, o desertor declara estar armado e caso seja preso, admite a hipótese de atirar nos soldados.  Na versão light  cantada por Mouloudji, ao contrário, o jovem avisa que se os soldados o perseguirem, poderão atirar pois se encontra desarmado. Este belo poema foi traduzido para dezenas de idiomas e interpretado também por, entre outros,  Richard Anthony, Marc Lavoine e Juliette Gréco.

Le Déserteur

Monsieur le Président
Je vous fais une lettre
Que vous lirez peut-être
Si vous avez le temps
je viens  de recevoir
mes papiers militaires
Pour partir à la guerre
Avant mercredi soir
Monsieur le Président
Je ne veux pas la faire
Je ne suis pas sur terre
Pour tuer des pauvres gens
C´est  pas pour vous fâcher
Il faut que je vous dise
Ma décision est prise
Je m´en vais déserter

Depuis que je suis né
J´ai vu mourir mon père
J´ai vu partir mes frères
Et pleurer mes enfants
Ma mère a tant souffert
elle est dedans sa tombe
Et se moque des bombes
Et se moque  des vers
Quand j´étais  prisonnier
On m´a volé ma femme
On m´avolé mon âme
Et tout mon cher passé
Demain de bon matin
Je fermerai ma porte
Au nez des années mortes
J´irai sur les chemins

Je mendierai ma vie
Sur les routes de France
De Bretagne en Provence
Et je dirai aux gens
Refusez d´obéir
Refusez de la faire
N´allez pas à la guerre
Refusez de partir
S´il faut donner son sang
Allez donner le vôtre
vous êtes bon apôtre
Monsieur le Président
Si vous me poursuivez
Prévenez vos gendarmes
Que je n´aurai pas d´armes
Et qu´ils pourront tirer.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Cartouche: o bandido sedutor





         De 1715, ano da morte de Luís XIV, até 1723-  a França vive sob a Regência de Philippe d’Orléans. O sucessor do rei-sol ainda não atingira a maioridade. Esse período ficou conhecido pela liberação dos costumes, em oposição ao clima excessivamente devoto e moralista que dominou os últimos anos do longo reinado de Luís XIV. Era a época dos libertinos- cidadãos em geral pertencentes à nobreza, abertos tanto às novas ideias, quanto às práticas devassas. Não por acaso, marquês de Sade, muitos anos depois, se inspirará em personalidades dessa época para a criação de sua obra. Em 1782, o público lerá com avidez As ligações perigosas de Choderlos de Laclos, obra prima do romance epistolar que tece crítica acerba à vida licenciosa e aos escândalos dos salões que tiveram seu apogeu sob Philippe d´Orléans.
         Foi nessa época singular do Antigo Regime que Louis Dominique Cartouche (1693-1721) - perturbou a vida de muitos parisienses, driblou a polícia por meio de fugas espetaculares e adulou inúmeras damas. Suas aventuras, sua engenhosidade de aliciar comparsas e a habilidade de enganar os homens da lei impressionavam e recheavam as conversas em todas as classes sociais.
         Oriundo de honesta família de burgueses, graças aos esforços do pai, Cartouche teve acesso ao primoroso ensino do colégio de Jesuítas.  Foi nesse templo da educação de grandes romancistas, dramaturgos, filósofos e políticos que, paradoxalmente, descobriu sua “vocação”.
         No livro Histoire de la vie et du procès de Louis Dominique Cartouche et de plusieurs de ses complices de 1733. Chez Pierre Marteau, à l´enseigne Agrippa Marteau, aprendemos muitas das peripécias do renomado bandido.
         Ele só foi preso porque um de seus comparsas o traiu. Em 28 de novembro de 1721, Cartouche foi torturado e morto pelo suplício da roda na praça de Grève em Paris.