segunda-feira, 17 de março de 2014

Emanuel Lasker e a psicologia no xadrez










Emanuel Lasker (Berlinchen, 1868-Nova Iorque, 1941) de família judaica, dedicou-se à matemática, à física e à filosofia. Sua tese de doutorado versou sobre a "Teoria de espaços vetoriais" e constitui notável contribuição na área. Albert Einstein, amigo próximo, criticava-lhe o tempo desperdiçado com as lides enxadrísticas. Foi, contudo, graças ao jogo-ciência que Dr. Lasker imortalizou seu nome, tornando-se um dos maiores enxadristas de todos os tempos, conseguindo manter o título de campeão por vinte e sete anos.
Em 1894, Lasker derrotou Steinitz (1836-1900), o então campeão mundial, em um match disputado em Nova Iorque, Filadelphia e Montreal. O jovem alemão contava vinte e seis anos e manteve o título até 1921, quando foi derrotado pelo cubano José Raul Capablanca.
Lasker impressionava a todos pela forma que desequilibrava as partidas, escolhendo, via de regra, um lance considerado inferior para desestabilizar o adversário. O xadrez, como sabemos, não implica somente cálculo, mas uma sólida concepção estratégica, no sentido militar do termo. Tal concepção é magistralmente demonstrada no livro intitulado O Bom Senso no Xadrez, publicado pela primeira vez em 1917.

Eis, a seguir, a tradução do prefácio e da primeira conferência do Dr. Lasker. Proponho, hélas, uma tradução de segunda mão, sendo o original em inglês Common Sense in Chess e o meu exemplar: Le bon sens aux échecs, traduit de l´anglais par Pierre Latour, Paris, édition Payot/Rivages, 1994.






Prefácio

Eis um resumo de doze conferências dadas diante de um auditório de jogadores de xadrez londrinos, na primavera de 1895. Podemos considerá-las como uma tentativa de tratar de todas as fases de uma partida de xadrez com a ajuda de princípios gerais. Os princípios expostos são deduzidos de reflexões relacionadas à natureza do xadrez, enquanto luta entre dois cérebros, e sua concepção repousa sobre fatos simples. Sua aplicação está ilustrada por posições adaptadas a esse fim e susceptíveis de apresentarem-se no tabuleiro. Meu objetivo foi reduzir o número de regras sem prejudicar a clareza. Perceberemos que elas têm alguma semelhança entre si e por isso não foi difícil reduzir ainda mais seu número. Com efeito, elas poderiam finalmente ser reunidas em um só princípio geral, que está na base não somente do xadrez, mas de todos os tipos de combates. Este princípio está suficientemente exposto aqui, mas ele é tão geral na sua concepção e a dificuldade de exprimir toda a extensão do seu significado é tal que não me aventurei a formulá-lo. Em uma próxima obra, e esta já prepara o terreno, espero ser capaz de ilustrar esse princípio e sua capacidade de mostrar a estrita relação dos fatos entre si. Também deixarei para o próximo livro o debate sobre alguns pontos que solicitam exame mais sutil como, por exemplo, todas as questões relativas às manobras do rei e à troca de peças.
As partidas e posições deste livro são relativamente pouco numerosas, mas foram escolhidas com cuidado. Eu aconselho o jogador não somente a esforçar-se para ler, mas a estudar e impregnar-se do conteúdo por meio de um trabalho constante. As regras que deduzi são, me parecem, muito plausíveis. Isso não deve enganar o jogador, que compreenderá mais claramente o sentido se fizer um esforço de não se mostrar cético e exigente quanto às provas.
No que concerne às análises das partidas ou das aberturas, tentei ser breve e preciso. As análises detalhadas, embora pouco numerosas, são fiáveis, creio eu. O método que consiste em enumerar todas as variantes possíveis, ou prováveis, foi abandonado em prol de uma análise que leva em conta, ao mesmo tempo, as variantes principais e os princípios gerais. A expressão e o estilo são de um conferencista. Não consegui torná-los mais perfeitos como desejava e solicito por isso a indulgência do leitor. E. L.
Primeira Conferência
Senhores, costuma-se começar pelas definições, mas estou certo de que todos vocês conhecem tão bem o essencial da história, das regras e das características do jogo de xadrez, que me permitirão mergulhar imediatamente in medias res. O xadrez foi apresentado, ou, eu diria, apresentado de forma errada, como um jogo que não poderia visar um objetivo sério, mas feito pelo simples prazer de ocupar uma hora de ócio. Se fosse apenas um jogo, o xadrez jamais sobreviveria às grandes provas a que foi confrontado ao longo de sua existência. Alguns apaixonados elevaram o xadrez à classe de uma ciência ou arte, o que ele não é; mas sua caracterísitica principal parece ser o que a natureza humana em geral muito aprecia- um combate. Não um combate que afagaria os nervos das naturezas grosseiras, no qual o sangue jorra e os golpes desferidos deixam traços visíveis sobre os corpos dos combatentes, mas um combate onde os elementos científico, artístico e puramente intelectual oscilam de maneira indissociável. Deste ponto de vista, uma partida de xadrez torna-se um todo harmonioso do qual me esforçarei para descrever as grandes linhas ao longo destas conferências.
As condições exigidas para jogar xadrez são um tabuleiro de sessenta e quatro casas e dois indivíduos. Nós temos, por conseguinte, uma grande vantagem sobre o general que deve conduzir seu exército em campanha: nós sabemos onde encontrar o inimigo e as forças das quais ele dispõe. Temos a agradável satisfação de saber que, no que diz respeito às forças materiais, teremos igualdade com os adversários. Nossa primeira decisão, no entanto, será exatamente análoga à de um comandante. Em primeiro lugar, mobilizaremos nossas tropas, para que elas estejam prontas ao ataque tentando ocupar as linhas importantes e as casas totalmente livres. Este procedimento não tomará, em regra geral, mais de seis lances, como veremos na sequência. Se nos omitirmos de fazê-lo, nosso adversário aproveitará a ocasião que lhe teremos oferecido, atacará rapidamente qualquer ponto vital e, antes que nos recobremos, a batalha estará terminada.
Permitam-me, para ilustrar minhas afirmações, de rever algumas partidas miniaturas bem conhecidas, nas quais os erros e suas sanções aparecem claramente.

1.e4 e5. 3Cf3 d6 3.Bc4 h6

Até aqui, com exceção do último lance, as pretas jogaram razoavelmente bem. Abriram linhas para seus dois bispos e para a dama e agora deveriam desenvolver o cavalo em c6. Em vez disso, temendo algum ataque prematuro, elas fazem um lance inútil que não reforça nenhuma de suas peças.
4. Cc3 Bg4
Um erro. Os cavalos devem ser desenvolvidos primeiro, os bispos em seguida.
5. Cxe5 Bxd1
6.Bxf7+ Re7
7.Cd5++


( tradução ALRBedê - continua)

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