Um dos mais
fascinantes, polêmicos e multifacetados autores brasileiros do século XX foi,
sem dúvida, Monteiro Lobato. O estupendo sucesso da obra infantil do escritor
paulista deixou na sombra sua atuação em outros domínios. O autor de Cidades Mortas esteve à frente de
campanhas sanitárias, batalhou pelo voto direto, revolucionou o mercado
editorial do Brasil e lutou tenazmente pela nossa auto-suficiência em ferro e
em petróleo. Todas essas facetas, e muitas outras, serão exploradas nesse
espaço. Hoje, gostaria de iniciar uma série de postagens para lembrar a construção do emblemático Jeca Tatu e as
controvérsias que gerou. Em
1911, Lobato herda a fazenda Buquira de seu avô, o Visconde de Tremembé, decide
deixar a pacata vida de promotor em Areias a fim de tentar a sorte como
fazendeiro. Interessa-se de fato pela nova função, faz pesquisas sobre como
melhorar a produção de café e milho. Também estuda a respeito do cruzamento de
animais. Ao longo dos meses, porém, nota que seus esforços se deparam com um
inimigo tenaz: o homem do campo. Em vez de respeitar a terra que lhe dá o
alimento, o caboclo perpetua prática institucionalizada no interior paulista-
as queimadas. Aos poucos a terra vai se tornando infértil. Segundo o ponto de vista do então fazendeiro,
o homem do campo não faz grandes esforços por julgar que não vale a pena. Assim,
prefere permanecer com seu chapéu de palha, de cócoras, fumando cachimbo. Lobato compara-o ao cogumelo
parasitário da madeira podre, denominado por sua mãe de “urupês”. Em 1914, envia
o artigo “A velha praga” ao jornal O Estado
de São Paulo. Nesse texto, apresenta o homem da roça: “Este funesto
parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio, seminômade, inadaptável
à civilização, mas que vive à beira dela na penumbra das zonas fronteiriças. À
medida que o progresso vem chegando com a via férrea, o italiano, o arado, a
valorização da propriedade, vai ele refugindo em silêncio, com o seu cachorro,
o seu pilão, a pica-pau e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se
fronteiriço, mudo e sorna. Encoscorado numa rotina de pedra, recua para não
adaptar-se.” Na excelente biografia “Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia” de
Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta, lemos: “Monteiro
Lobato é, acima de tudo, arguto crítico social, um homem preocupado com os
destinos do seu país. E expõe, sem mistificação, a conduta do agente deletério,
habitante das zonas limítrofes do mundo civilizado, onde jamais logra penetrar.
(1997, p. 58). “Uma velha praga” saiu em destaque no Estado de São Paulo e fez enorme sucesso. Veremos os desdobramentos
das polêmicas do incendiário artigo em postagens futuras.
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