domingo, 11 de dezembro de 2016

“O jogador de xadrez”: obra magistral de Stefan Sweig





         Um navio parte de Nova York para Buenos Aires e a bordo nada menos que o campeão mundial de xadrez. Cidadão pouco afeito a conversas, indiferente à cultura e obcecado por dinheiro- trata-se de Mirko Czentovic. Orfão aos 12 anos, o futuro campeão ficou aos cuidados de um padre de cidadezinha perdida na antiga Iugoslávia. Apesar dos esforços do cura, o pupilo não demonstrou gosto pelo estudo. Mas isso não o impediu de tornar-se imbatível no jogo dos reis. Ao longo dos anos, Czentovic ficou conhecido pela proverbial rusticidade, bastava cruzar com um homem culto que imediatamente recolhia-se em sua concha.   
         Durante a viagem, o campeão se verá em situação inusitada frente a um obscuro senhor, o Dr. B-  personagem de grande densidade psicológica, ao contrário de Czentovic. No ponto crucial da história, os dois cidadãos se enfrentam diante do tabuleiro atraindo a admiração e a atenção de inúmeros aficionados.    Narrado em primeira pessoa por um viajante sobre o qual nada sabemos, apenas que era dotado de sensibilidade aguçada, que admirava o xadrez e foi um dos promotores do encontro entre os dois adversários.
          Em dado momento, Dr. B revela sua relação com o jogo de xadrez ao narrador- situa-se aqui o ponto culminante do romance. O leitor é convidado a conhecer um pouco dos efeitos nefastos da chegada de Hitler ao poder e a descobrir os requintes de uma tortura psicológica devastadora. De fato, ficamos imersos no dramático relato do passageiro até então desconhecido.
      Até hoje a questão do gênero continua a intrigar os críticos. “O jogador de xadrez” pode ser  considerado romance em virtude do tamanho (aproximadamente noventa páginas, de acordo com a edição), da profunda análise psicológica e do não desprezível número de personagens. Mas o texto pode também ser lido como um conto já que há poucas  peripécias e um lugar único no qual a história se desenrola- excetuando-se o grande parêntese que consiste na história do Dr. B.
         Em certa passagem, o narrador expõe uma das mais belas apologias do jogo de xadrez em textos literários:
         “Mais ne se rend-on pas déjà coupable d´une réduction fâcheuse en qualifiant les échecs de jeu? N´est- ce pas plutôt une science, un art, quelque chose qui flotte entre ces catégories comme le cercueil de Mahomet entre le ciel et la terre, une combinaison unique de tous les contraires? Antique et cependant toujours nouveau; mécanique dans son dispositif et pourtant mis en oeuvre par la seule imagination; confiné dans un espace géométrique fixe et cependant illimité dans ses combinaisons; en constant développement et cependant stérile; une pensée qui ne mène à rien, une mathématique qui ne calcule rien, un art sans oeuvre, une architecture immatérielle et qui pourtant, le fait est avéré, se révèle plus durable dans son être et dans son existence que tous les livres et les oeuvres d´art; le seul jeu qui appartienne à tous les peuples et à tous les temps, et dont nul ne sait quel Dieu l´a apporté sur  terre pour tuer l´ennui, aiguiser les sens, stimuler l´âme.”

       Um livro para ler de uma assentada. Vale a pena.

“Le Joueur d´échecs”- Stefan Zweig,  traduzido do alemão por Dominique Autrand, publicado pela editora francesa  Magnard e impresso na tipografia italiana “La Tipografica Varese Sri”, 2016.  Há tradução em português. 

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