Parece inacreditável, mas há mais de dois
séculos o coração do poeta, dramaturgo e filósofo Voltaire (1694-1778) continua
cuidadosamente preservado e guardado segundo o desejo do marquês de Villette,
grande amigo do autor e em cuja residência Voltaire faleceu. O marquês ordenou
que o coração do filósofo fosse extraído e colocado em caixa de metal dourada.
O órgão ficou conservado graças a uma preparação com álcool e a caixa trazia a
inscrição: “Coração de Voltaire, morto em Paris, 30 de maio de 1778”. Algum tempo depois, o coração foi transferido
para o castelo de Ferney (onde o filósofo residiu nas duas últimas décadas de
vida) e lá permaneceu até a Revolução.
O
destino do órgão enfrenta momentos de incertezas quando, em 1864, com a morte
de Voltaire Villette (filho do marquês), herdeiro algum desejou reivindicá-lo.
Era o governo de Napoleão III e a administração finalmente decide colocá-lo no pedestal da
estátua de Voltaire feita por Houdan e expô-la na biblioteca imperial com a
inscrição: “Coração de Voltaire entregue à Biblioteca imperial pelos herdeiros
do marquês de Villette”. Mais de meio século depois, o órgão ilustre continuava
na Biblioteca (hoje o prédio da Bibliothèque
Nationale de France dedicado a partituras e manuscritos) situada na rua
Richelieu.
Em
maio de 2010, operários encarregados de transportar a estátua para o museu de
Moedas e Medalhas sentiram um cheiro muito forte emanando do pedestal. Foi
então solicitado um minucioso trabalho científico a fim de verificarem as
condições do coração. Ao cabo de diversas etapas de pesquisa envolvendo
especialistas de várias áreas, chegaram à conclusão que o coração de Voltaire
seria conservado por meio de um tratamento de anóxia (ausência de oxigênio).
Após esse processo, o órgão não poderia
ser colocado na geladeira pois isso aumentaria o risco de desenvolver
mofo.
Outro aspecto notável desse processo diz respeito à forma de abrir a
caixa hermeticamente fechada onde se encontra o coração sem provocar danos ao
órgão. Para tanto, especialistas conseguiram explorar o conteúdo graças à “fibroscopia”.
O resultado dessa exploração foi auspicioso: o coração continua
conservado, embora o líquido tenha desaparecido.
Se algum curioso desejar conhecer a estátua em cujo pedestal
encontra-se o coração de Voltaire, basta subir até o primeiro andar da
biblioteca Richelieu (58, rue de Richelieu no distrito 2 em Paris).
As informações deste
texto foram extraídas do artigo “Le coeur de Voltaire: un secret bien gardé” (
O coração de Voltaire: um segredo bem guardado) de Nathalie Buisson –
especialista de química inorgânica, responsável do laboratório científico do
departamento de Conservação.
Agradeço ao presidente da sala “V” (literatura francesa) e de uma bibliotecária do mesmo setor da
Bibliothèque Nationale de France (François Mitterand) que gentilmente me
cederam uma cópia impressa desse excelente e elucidativo documento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário